O que o Compliance Officer precisa fazer em tempos de crise – Artigo 5: Gestão
Wagner Giovanini publicou o último artigo da série com o tema “O que o Compliance Officer precisa fazer em tempos de crise – Artigo 5: Gestão”. Inicie a leitura pelo artigo 1 para acompanhar a série completa.
Este é o último artigo dessa série. Se você não leu os outros, recomendo iniciar pelo primeiro, para entender a sequência. Até agora, já foram abordadas 7 medidas, faltando apenas 3, para complementar as 10, conforme prometido.
A próxima delas, entretanto, é um dos tópicos mais importantes de um Mecanismo de Integridade, pois representa os riscos mais elevados e, de forma geral, impõe a maior quantidade de lacunas nas organizações. Trata-se da Gestão dos Fornecedores e Terceiros.
Medida 8: Gestão da Cadeia de Terceiros
Uma instituição íntegra só deve se relacionar com fornecedores e terceiros igualmente íntegros. Essa obviedade não é apenas uma constatação, mas encontra respaldo na legislação brasileira, tanto na Lei 12.846/13 quanto no Decreto 8.420/15, em diversos de seus requisitos. Portanto, o Compliance Officer diligente precisa cuidar desse assunto e aproveitar os resultados das demais ações, até então sugeridas, para revisitar cada elemento que o compõe, a fim de reduzir a exposição a riscos para a sua companhia.
Apesar de não ser o objeto desse artigo, vale relembrar a ameaça a ser afastada: “risco de o terceiro engajar-se em ilicitudes”. Ou seja, a preocupação é prevenir atos ilícitos dos fornecedores e não simplesmente cancelar contratos após o delito estar consumado ou mergulhar-se na criação de documentos suporte para mostrar a “verificação da vida pregressa das empresas”. Aos interessados sobre esse tema específico, sugiro dois outros artigos:
https://www.linkedin.com/pulse/mecanismo-de-integridade-para-os-fornecedores-wagner-giovanini/
Retornando à presente recomendação, comece por avaliar se a classificação dos riscos dos fornecedores em relação ao Compliance merece uma atualização, depois de conhecer os resultados das medidas anteriores.
De certo, algumas regras deverão ser reajustadas. Além disso, analise seus bancos de dados (cadastros) e a forma de gestão dos fornecedores, para concluir se eles guardam coerência com o aprendizado atual.
Segundo os resultados dos dois itens anteriores, avalie se há necessidade de revisão das políticas, código de conduta dos fornecedores, cláusulas contratuais, formas de relacionamento e comunicação com a cadeia de suprimentos.
Uma boa prática é envolver virtualmente os profissionais das áreas de compras para discutir em conjunto, cada um dos tópicos relacionadas acima, mas não se limitado a eles, pois há diversas interfaces dos processos desse setor com o Mecanismo de Integridade merecedoras de atenção. A existência de eventuais lacunas em tais processos pode significar riscos importantes relativos a Compliance.
Além de tudo, se a sua empresa se propõe a ser uma instituição ética de verdade, chegou a hora de promover ações coletivas com a sua cadeia, no sentido de incentivar todos a implementarem seus Mecanismo de Integridade. Não iremos avançar rumo a uma sociedade melhor, com mais ética e integridade, se esse passo não for dado. Mesmo sendo um plano desafiador!
Medida 9: Lacunas e pendências conhecidas
O cotidiano dos profissionais de Compliance é semelhante nas diversas organizações e nos mais variados países do mundo: parece faltar recurso, não há tempo para cumprir suas tarefas de modo integral, há uma enorme quantidade de casos urgentes e, em muitas vezes, os importantes perdem prioridade. Deixando as lamentações de lado, esse quadro não pode se perpetuar. Então, aproveite o momento para “colocar a casa em ordem”. Elimine todas a pendências possíveis. Assim, tão logo a crise passe, o seu Mecanismo de Integridade estará em outro patamar de qualidade.
Na realidade, é comum haver atividades, processos, registros, etc. com pendências conhecidas ou com “pipeline” acima do desejado. Apenas para levantar a reflexão, seguem alguns casos comuns, com as respectivas sugestões para um plano de ataque imediato:
• Investigações: fazer o possível à distância (análise de dados, documentos, planilhas, etc. Inclusive, para investigações simples, as entrevistas podem ser conduzidas por vídeo conferência em caráter excepcional).
• Decisões decorrentes de diversos fóruns (Compliance Risk Assessment; auditorias, comitês de ética, entre outros): avaliar se existem pendências e, se positivo, buscar implementá-las de modo virtual.
• Planejamento de orçamentos, cargas de trabalho (definição de FTEs), estrutura interna do departamento e outras questões normalmente relegadas a segundo plano: invista um tempo agora, refaça seus cálculos e análise e esteja pronto para discutir os resultados com o seu superior.
• Página da Internet e Intranet relativa ao Compliance: visite cada sessão e estabeleça uma lista das melhorias necessárias. Envolva os responsáveis já e enderece os temas para serem resolvidos logo.
• Interfaces com outros setores e departamentos (ex.: RH, Comunicação, Financeiro, Contabilidade, Jurídico, etc.): inicie uma reflexão sobre cada tema, a fim de contribuir na identificação de redundâncias, conflitos ou lacunas não tratadas. Essa é uma boa hora para empunhar o telefone e resolver tais questões em linha reta com o chefe de cada área.
• Atendimento da integral da legislação aplicável à organização (não apenas as de Compliance): esse ponto aparece com muita frequência como não atendido, mesmo em grandes corporações. Portanto, vale investir um tempo na análise desse cenário, discutindo o caso com o Jurídico e demais atores da sua empresa para o integral atendimento de toda legislação.
A partir daqui, caberá ao Compliance Officer complementar essa lista, a fim de contemplar a sua realidade.
Medida 10 - Melhoria da Gestão do Compliance
Um Mecanismo de Integridade efetivo deve ser perene e, para tanto, necessita de uma base sólida de sustentação. Uma gestão apropriada, baseada em fatos, calcada no princípio da melhoria contínua, com visão abrangente e inovadora, dentre outras virtudes, confere a esse sistema os ingredientes fundamentais para assegurar a sua sustentabilidade e, com isso, perpetuar os bons resultados.
Negligenciar a gestão coloca o sistema em risco, perde-se a visão do todo e abrem-se brechas para o seu fracasso. Além do mais, uma gestão efetiva interliga a totalidade de seus elementos, práticas, processos, ferramentas, estrutura, etc. num sistema vivo, fazendo dessa interdependência uma gama de oportunidades, aproveitamento de sinergias, poupando recursos e, o mais importante, propiciando o alcance dos objetivos traçados para o Mecanismo de Integridade.
Assim sendo, a décima recomendação visa abraçar todas as demais e integrá-las no sistema do dia a dia. Para tanto, aproveite a ocasião e avalie a condição atual da gestão do Compliance e faça os ajustes necessários, considerando o aprendizado decorrente da crise e os resultados das providências aqui sugeridas. A exemplo das outras medidas, sugiro uma breve lista, para ser completada na sequência, de acordo com o seu caso particular:
• Faça uma avaliação do seu modelo de gestão, para concluir se ele está trazendo os benefícios esperados. Se ele ainda é incipiente, comece por torná-lo robusto, profissional e eficiente.
• Estabeleça ou melhore a métrica para medir a efetividade de cada processo crítico, inclusive do Mecanismo de Integridade como um todo.
• Crie ou melhore os processos de coleta das informações para compor os indicadores de desempenho, sejam eles quantitativos ou qualitativos.
• Avalie se os processos de análise crítica do desempenho do Compliance estão adequados. Verifique a frequência e efetividade dos participantes nas avaliações. Se oportuno, pense nas melhorias e já as implemente.
Inclua, nesse contexto, os processos de realização de pesquisa de satisfação e de clima para o Compliance, os processos de melhoria contínua, adoção de medidas corretivas, preventivas, entre outros.
Conclusão:
Sempre quando surgem desafios, eles devem abrir espaço para as oportunidades que, se bem identificadas e aproveitadas, transformar-se-ão em benefício permanente. O Mecanismo de Integridade, em tempos de crise, enfrentará riscos, inclusive de paralisação, o que seria devastador para a corporação, tanto no cenário atual quanto futuro. Ao Compliance Officer cumpre liderar um processo não apenas para evitar a concretização dos riscos, mas para aproveitar as oportunidades do momento.
Assim, nesse conjunto de artigos, procurei trazer a experiência de êxitos passados, em situações adversas para o Compliance que, com medidas pertinentes, se fortaleceu e contribuiu de forma exemplar para a empresa e suas partes interessadas vencerem momentos como esse.
Cabe a cada um arregaçar as mangas e fazer a sua parte. Desejo sucesso a todos, pois, dessa forma, estaremos contribuindo para a construção de um Brasil melhor. Boa sorte!
A ideia de escrever esses artigos veio a partir de um Webinar, conduzido por mim para os clientes da Compliance Total. Para os interessados, ele foi gravado e publicado no link: https://www.compliancetotal.com.br/videos
Espero que essas recomendações sejam úteis para você!
Wagner Giovanini é especialista em Compliance e sócio-diretor da Compliance Total e Contato Seguro. Autor do livro “Compliance – a excelência na prática”, desenvolveu a Compliance Station®, plataforma inovadora para a implementação e execução do Compliance em micro e pequenas empresas. Para mais informações e conteúdos sobre o tema, acesse www.compliancetotal.com.br e https://www.linkedin.com/company/9299759/ .