O que o Compliance Officer precisa fazer em tempos de crise – Artigo 3: Manter o Compliance vivo
Wagner Giovanini publicou o artigo de número 3, de uma série de 5, com o tema “O que o Compliance Officer precisa fazer em tempos de crise – Artigo 3: Manter o Compliance vivo.” Leia os artigos 1 e 2 para iniciar a série.
Nas edições anteriores, estabeleceu-se uma lógica para a definição das medidas prioritárias e como implementar as duas primeiras, para que, as subsequentes pudessem gerar o efeito desejado.
No presente artigo, o foco é preservar o Mecanismo de Integridade vivo, de maneira a não apenas manter os funcionários atendidos pelas práticas e processos existentes, mas principalmente, para levar a mensagem a todos sobre a relevância desse sistema, mesmo diante de uma grande crise como a atual.
O Compliance Officer perspicaz deve saber das consequências desastrosas de permitir o enfraquecimento do Mecanismo de Integridade. O caso assemelha-se a perder a credibilidade e a confiança. Se porventura os funcionários perceberem não haver prioridade para o sistema ou que a organização não cumpre o apregoado, será improvável a retomada, sem um processo custoso e longo.
Portanto, mesmo diante de tantos desafios, caberá a esse profissional a missão de manter a chama acesa e, para isso, deverá envidar esforços adicionais aos já enormes aplicados em situações normais.
Assim, as medidas aqui descritas representam apenas um humilde conjunto de sugestões que, na prática, deverão ser comandadas com rigor pela equipe de Compliance. Considerando já abordadas as medidas 1 e 2, “Apoio da Alta Direção” e “Compliance Risk Assessment”, vamos continuar a nossa lista a seguir.
Medida 3: Manter o Mecanismo de Integridade funcionando
No dia a dia, ainda mais durante as crises, o sistema deve permanecer operando, como um relógio. Não se admite excluir peças de sua engrenagem, imaginando o aparelho continuar a marcar as horas com precisão. Além disso, paralisar as atividades e processos do Compliance dará uma mensagem negativa para os funcionários, algo como se o Mecanismo de Integridade tivesse morrido. Assim, considere essa opção como inexistente.
Portanto, cumpre ao Compliance Officer manter atividades e processos “em operação”. Por certo, adaptações serão necessárias, mas, isso não deve ser empecilho para se cumprirem os requisitos previamente estabelecidos, gerando-se os registros e evidências necessárias. Muitas atividades podem ser realizadas de forma remota, sem perda de qualidade, e assim sendo, a sua definição deverá ser feita o mais breve possível.
Para aquelas, em princípio obrigatórias de serem presenciais, invoca-se a criatividade. Não se esperam desculpas ou justificativas para a “roda parar”. Aliás, o Compliance Officer recebe o seu salário para encontrar soluções, não apenas no dia a dia normal, mas também sob os momentos de turbulência, como os atuais.
Então, impõe-se definir para todos os processos como eles serão realizados e, a partir daí, colocar tudo em prática já!
Antes, porém, de descrever a próxima medida, imperioso ressaltar uma ação obrigatória para o responsável pelo Compliance: participar do “comitê de crise” da empresa. Tal providência visa contribuir com a organização para vencer os desafios do presente e, ao mesmo tempo, prevenir riscos, ou seja, defender o Mecanismo de Integridade e evitar decisões contrárias aos princípios da ética e integridade.
Medida 4: Reforçar a presença do Compliance
Em complemento à medida anterior, um processo merece atenção redobrada: “Comunicação e Treinamento”. Isso pois, existem diversos aspectos reforçando a necessidade de um tratamento especial para ele, como por exemplo:
• Esse processo é o mais direto dos elos do Mecanismo de Integridade com as pessoas.
• Por meio dele, as informações chegam na ponta.
• Comunicação e treinamento contribuem bastante para sensibilização e qualificação das pessoas, no intuito de se fazer o certo sempre, inclusive nas crises.
• Sem ele, nutre-se a impressão de falência do sistema, como se a chama do Compliance tivesse sido apagada (se ninguém mais falar no assunto, ele irá morrer).
A tarefa começa, então, por rever, ajustar e melhorar o plano de comunicação e treinamento, considerando os aspectos da crise. Por exemplo: há treinamentos presenciais passíveis de serem transformados em EAD, além de adaptações em seus conteúdos. Sobre a comunicação, agora é o momento de intensificá-la, porém, ordenada e planejada (para não exagerar na dose, nem deixar abaixo do necessário).
Nessa formulação, é fundamental considerar também os riscos atuais, advindos da Medida 2, sugerida no artigo passado. Além disso, convém abordar os processos e controles críticos, as medidas adotadas pela empresa para passar por essa turbulência, aspectos legais e regulatórios vigentes e aplicáveis, entre outros. Adicionalmente, deve-se criar um plano específico para funcionários em home office. Todo material, veículo, público-alvo, ferramentas, cronograma, etc. devem ser revistos com cuidado, para atender às necessidades do momento em questão e prever como retomar a normalidade no “pós-crise.
Um grupo especial de público-alvo deve ser tratado com a maior relevância nesse tópico: a média gerência. Refere-se à conexão entre a Alta Direção e demais funcionários da organização, sendo uma comunidade normalmente “divisora de águas”, para o sucesso do Compliance. Portanto, torna-se imperioso definir uma estratégia especial para seus membros, de modo a reforçar o apoio e engajamento deles para o sucesso do Mecanismo de Integridade.
Dentre os temas, um merece abordagem singular e bem enfática: o canal de denúncia! Intensificar a sensibilização das pessoas, reforçando que, nesse momento, a empresa precisa da ajuda de todos consiste em ação imprescindível. Ou seja, toda informação relevante para favorecer na eliminação de fraudes, irregularidades, ilicitudes, desvios de conduta, entre outras, precisa ser reportada. O canal existe para isso, é um benefício para funcionários e, ao mesmo tempo, uma valiosa contribuição para a organização vencer esse desafio. Nesse sentido, há opções como comunicação, treinamento, campanhas complementares, entre outras atividades, para incentivar o funcionário no uso desse meio tão importante para o bom funcionamento do Mecanismo de Integridade.
Nessa mesma direção, o responsável pelo Mecanismo de Integridade deve orientar os demais atores(*) desse sistema para se posicionarem como ouvidores dos funcionários, para ajudá-los onde necessário e, ao mesmo tempo, obter sugestões, reclamações, alegações, dentre outras informações úteis para a manutenção da ética e integridade na organização.
(*) Por atores, nesse artigo, refiro-me aos profissionais de Compliance, auditores de Compliance, investigadores, membros dos comitês de ética, facilitadores, embaixadores, etc.
No artigo 4, vou descrever como a organização de Compliance deve se estruturar para o futuro.
Aguardo você na próxima matéria!
Wagner Giovanini é especialista em Compliance e sócio-diretor da Compliance Total e Contato Seguro. Autor do livro “Compliance – a excelência na prática”, desenvolveu a Compliance Station®, plataforma inovadora para a implementação e execução do Compliance em micro e pequenas empresas. Para mais informações e conteúdos sobre o tema, acesse www.compliancetotal.com.br e https://www.linkedin.com/company/9299759/ .