Como evitar o ‘compliance irrelevante’?
Wagner Giovanini, nosso sócio-diretor e especialista, aborda as medidas para tornar o Compliance efetivo nas empresas em seu mais recente artigo no Estadão, publicado na coluna de Fausto Macedo.
A motivação para escrever esse artigo decorre de uma pergunta comum em vários dos meus clientes e que, certamente, representa um enorme desafio para muitos Compliance Officers.
Antes de iniciar, cumpre excluir as instituições cujos dirigentes máximos desejam possuir um “Compliance de fachada”. Quando a questão envolve má índole desse nível hierárquico, o Então, vamos investir nossos tempos nas “maçãs boas”, considerando haver muitos profissionais interessados num trabalho sério e, por ser essa uma matéria ainda muito nova, grande parte deles precisa de recomendações úteis diante de um mercado carente de conhecimento.
Uma perigosa armadilha é atribuir à equipe de Compliance o cumprimento legal como sua principal responsabilidade. Em tais condições, na prática, edifica-se um segundo departamento jurídico, mas agora, com a missão exclusiva de cuidar de assuntos explícitos na Lei 12.846/13, como corrupção e suborno. Buscando atender às cláusulas do Decreto, cria-se, então, um sistema burocrático para a identificação e coleção dos requisitos normativos e regulatórios, formando-se um mecanismo de defesa com pensamento único de proteção contra multas, prisões e outras penalidades. As pessoas são reprimidas na tomada de decisão no seu dia a dia, pois o cumprimento das regras ganha mais importância em detrimento dos valores e princípios éticos. A partir daí, a organização é bombardeada por uma infinidade de ações contraproducentes, em descompasso com os seus objetivos principais.
Dessa forma, o Compliance mais atrapalha do que ajuda. Não irá gozar da simpatia da maioria dos funcionários e, portanto, o apoio configura-se apenas como parte da encenação cotidiana do “politicamente correto”. Aliás, estão quase sempre presentes em empresas dessa natureza situações como: os gerentes de vendas reclamam do engessamento provocado pelo Compliance; os executivos atribuem ao Compliance eventual fracasso no alcance das metas; as pessoas não gostam de participar dos treinamentos por terem coisas mais importantes para fazer; a comunicação do Compliance é relegada a um nível de importância mínimo; o canal de denúncia é pouco ou mal utilizado pelos funcionários; etc. Traduzindo: a instituição gasta com o dispensável, estressa a maioria e não faz o necessário! Ou melhor, imagina possuir o Compliance, mas ele não é efetivo.
O primeiro sinal de alerta está no nome atribuído ao assunto. Convém utilizar a expressão “mecanismo de integridade” ou “sistema de integridade”. Elimina-se a ideia de “começo, meio e fim”, decorrente da palavra “programa”. Além disso, o foco deixa de ser o cumprimento das regras, importado da palavra “Compliance”, para abranger um sentido mais amplo: “fazer o certo, independentemente de leis ou outras questões”. Adicionalmente, as palavras “mecanismo” e “sistema” consistem no estabelecimento de um modelo organizacional onde seus elementos estão interligados, funcionando em harmonia e com ajuda mútua… como um relógio e suas engrenagens. Não se trata de um mero capricho ou preocupação com a retórica, mas sim, sedimentar o compromisso concreto com a ética e a sustentabilidade desse modelo. No caso de haver outra nomenclatura e não ser conveniente alterá-la, importa levar o conceito correto para todos os funcionários entenderem o que, de fato, é relevante. Repetindo: “fazer o certo, independentemente de leis ou outras questões, em todas as atitudes e tomadas de decisão”.
Contrariando o senso comum, afirmo ser esse sistema mais fácil de implementar e lograr êxito do que o tratado no início desse texto. Quando as pessoas percebem o seu valor para a corporação, para os funcionários e para a sociedade, a maioria irá se alinhar a esses conceitos, reduzindo os esforços de todos e maximizando os benefícios e resultados.
Obviamente, há sutilezas e aspectos importantes a considerar, sem os quais isso não será possível. Mas, havendo o desejo genuíno dos dirigentes em trilhar essa direção, o sucesso estará mais próximo.
Voltando para a prática, a essência está na prevenção, ou seja, evitar a ocorrência de um ato e não esperar a sua concretização para minimizar suas consequências. Todos sabemos ser a prevenção muito mais inteligente e barata: você prefere vacinar o seu filho contra a poliomielite ou deixar para tratá-lo no hospital, caso a doença o atinja?
Por que, então, na vida profissional, nem sempre os executivos fazem o mesmo? Provavelmente, por não saberem o caminho certo a adotar. Às vezes, até investem além do necessário, gerando desperdício de recursos enquanto riscos reais continuam passeando ilesos pela companhia.
Assim, desde a implementação do mecanismo de integridade deve estar claro para o seu responsável o objetivo de contribuir com a empresa no alcance de suas metas, entretanto, sempre observando os valores éticos. Processos, controles, atividades, ferramentas, etc. devem ser estabelecidos para mitigar riscos de natureza ética e não aqueles ligados a pagamento de multas, penalidades e proteção. Aqui está a prevenção!
Por exemplo, importa evitar ilicitudes cometidas por funcionários, terceiros e fornecedores e não simplesmente pensar: “caso eles cometam, tentarei blindar a minha empresa”. Obviamente, essa segunda classe de risco não pode ser ignorada. Todavia, passará a ser a exceção, pois, tratando bem a primeira, ela só irá ocorrer em casos especiais.
Portanto, a missão da organização responsável pelo Mecanismo de Integridade será infinitamente maior na dimensão humana do que na jurídica. Conscientizar as pessoas, ensiná-las a escolher o melhor caminho e convencê-las da utilidade dessa atitude é atividade contínua. Fortalecer a cultura do bem, onde a confiança organizacional irá prevalecer frente à sensação de injustiça, virá antes das regras. As pessoas terão liberdade para falar, afastando receios de retaliação. A cooperação, um melhor clima organizacional, as boas relações entre as pessoas, uma liderança não abusiva, entre outras, surgem como consequência natural.
Desse modo, impõe-se cautela desde o marco zero do tema na instituição. Escolher pessoas com o perfil adequado para implementar, promover e gerir o mecanismo é uma obviedade, porém, muitas vezes ignorada. Na contratação de consultores, orientadores e Como produto, um ambiente propício para a cultura da ética e integridade irá se consolidar, trazendo consigo os ingredientes essenciais para o total sucesso do Compliance, ou melhor, do Mecanismo de Integridade.
*Wagner Giovanini é especialista em compliance e sócio-diretor da Compliance Total e Contato Seguro. Autor do livro Compliance – a excelência na prática
Matéria publicada em 14 de Janeiro de 2020, na coluna de Fausto Macedo no Jornal Estadão. Link: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/como-evitar-o-compliance-irrelevante/?fbclid=IwAR3MfG4kbgSLq39QrX3tVxpCtoBVuEG3eP7zwl5yuO42HR4ZmiVK7XzuONs