A Lei 7753/17 torna obrigatória a presença de mecanismo de integridade efetivo para empresas que celebram contratos com a administração pública no Rio de Janeiro. Talvez, muitos não tenham percebido a importância dessa notícia, para a moralização do ambiente corporativo no Brasil!
O mecanismo de integridade, para ser efetivo, deve permear toda a organização e precisa ser verdadeiro, genuíno e funcionar na prática, sem maquiagens. Desta forma, os funcionários assumem, naturalmente, a missão de fazer cumprir os preceitos da ética e integridade, por todos: além deles próprios, gerentes, diretores, executivos, prestadores de serviço, fornecedores e outros atores. O canal de denúncia configura-se em valiosa ferramenta, pois, ao menor sinal de desvio, a instituição terá a informação em mão, para apurar e, se confirmada a suspeita, remediar imediatamente.
Vocês já imaginaram se todos os fornecedores de uma empresa construíssem seus sistemas baseados nessas premissas? A contratante teria um conforto nunca antes observado, visto que, dificilmente, seria surpreendida por ilicitudes na sua cadeia de suprimentos. Portanto, o fantasma da Responsabilização Objetiva da Lei 12846/13 teria seus riscos muito mitigados.
Tratando-se de área pública, os benefícios revertem-se diretamente à sociedade. Conflitos de interesse, fraudes em licitação, sobrepreços, favorecimento a fornecedores, corrupção, suborno, propinas, cartel, etc... tudo isso estaria com seus dias contados!
Agora, a presente lei refere-se a contratos acima de certos valores, mas, já temos um bom começo! Assim, todos devemos apoiar as autoridades e as empresas públicas, para que os requisitos estabelecidos alcancem, de fato, os objetivos propostos. Por isso, enumero alguns sinais de alerta:
1. A autodeclaração será aceita?
Como assegurar a sua veracidade? Além disso, seja por desconhecimento ou ingenuidade, faz parte do cotidiano, organizações vangloriarem-se por seus mecanismos de integridade, todavia, na prática, nem sempre ele possui sustentação real.
Particularmente, eu acredito (ou, eu torço para) que as autoridades refutem essa possibilidade. Caso contrário, seria a desmoralização total! Perdoem-me a alusão ao jargão popular: “a raposa tomando conta do galinheiro”. Essa nova legislação não teria eficácia alguma e estaríamos perdendo mais uma oportunidade de ouro.
2. O órgão público tem condições de verificar se os mecanismos de integridade de seus fornecedores são realmente efetivos?
A administração vai auditar a sua cadeia? Irá construir uma estrutura interna, treinar auditores e estabelecer práticas de gestão para isso? Terá recursos suficientes para conduzir as atividades com a qualidade necessária? Aliás, se assim vierem a tratar o assunto, cada área pública fará do seu modo e, dessa maneira, não haverá uniformidade. Além disso, como serão tratadas as questões da independência e conflitos de interesse dos auditores em relação a determinados fornecedores? Nesse contexto, será possível confiarmos na lisura desse processo? Por consequência, definitivamente, esse não é o melhor caminho.
3. Consultorias especializadas serão contratadas para realizar as auditorias?
Será essa a melhor forma de resolver a questão? Estaria correto gastar o dinheiro público, a fim de verificar se o fornecedor está cumprindo a lei? Há orçamento disponível para contratar serviço profissional ou será aberto um nicho de mercado onde o pseudoespecialista em Compliance fará o “check in the box”?
Não há dúvida, portanto, ser a certificação o caminho mais inteligente. A norma DSC 10.000 abrange exatamente os requisitos da Lei 12.846/13, do Decreto 8.420/15 e também da Lei 7753/17 do Rio de Janeiro. Deste modo, confortavelmente, a administração pública aguardaria o recebimento de um certificado, emitido por organismos independentes idôneos, para confirmar a presença de mecanismo efetivo na instituição contratada. A não apresentação do referido certificado implicaria na aplicação da multa prevista na lei ou na exclusão dessa empresa do seu cadastro.
Vale reforçar um outro cuidado importante, para os menos avisados: existe a ISO 37.001, mas ela não abrange na totalidade os requisitos da Lei 12.846/13. Foca apenas em suborno, não contemplando, por exemplo, fraudes contábeis ou em licitações, conflitos de interesse, cartel e diversas outras ilicitudes contra a administração pública. Assim sendo, somente a ISO não é suficiente para amparar as empresas. O mesmo vale para o Pró-Ética, cujo objetivo não é “auditar a efetividade e assegurar a presença do mecanismo de integridade”.
Aos fornecedores, cabem outros alertas:
1. Esperar ganhar um projeto para pensar no assunto é o menos inteligente
Não haverá tempo hábil, pois, a partir de 180 dias após a contratação, se não demonstrar a existência de mecanismo de integridade efetivo, a empresa será multada em 0,02% do valor contratado, por dia.
Lembre-se: para ser efetivo, o mecanismo deve estar funcionando de verdade e necessita contar com algum tempo de maturação. Por isso, impõe-se urgência para implementá-lo!
2. Quem imagina estar pronto, precisa ter certeza disso
Um mecanismo efetivo não se resume em possuir os elementos básicos citados na lei, como código de conduta, canal de denúncia, treinamentos, comunicação, investigação, políticas, gestão dos riscos, etc. Tudo deve funcionar muito bem, de maneira harmônica e devidamente interligado, os funcionários devem aplicar os conceitos na prática e a empresa deve demonstrar a efetividade com evidências concretas. Logo, correr o risco de ser surpreendido com uma avaliação negativa do seu programa, durante o período contratual, representa condição inaceitável.
3. Para as organizações de outros Estados
Se elas não pretendem fornecer para a administração pública no Estado do Rio de Janeiro, ainda assim há risco: a tendência em favor da ética no ambiente corporativo aponta para leis similares nos demais estados. Talvez, os prazos para adequação sejam até mais exíguos. Assim, deixar de agir agora poderá afetar, inclusive, a sustentabilidade da empresa.
Por fim, destaco outros pontos passíveis de observação:
- Fatiamento do objeto da licitação pode tentar livrar esse ou aquele participante.
- Os aditivos contratuais não podem ser esquecidos, pois, com eles, determinado valor pode ultrapassar os limites requeridos pela lei.
- Mesmo com eventual dispensa da licitação, a lei deve ser aplicada.
A sociedade brasileira espera a efetiva aplicação da lei e, por isso, a diligência das autoridades e dos funcionários dos órgãos públicos, para evitar a ação dos “espertinhos”, será fundamental!