Qual a pena para o corrupto?
Acesse o artigo de nosso sócio-diretor Wagner Giovanini publicado na coluna de Fausto Macedo no Estadão. Wagner comenta sobre as possíveis fraudes no sistema do auxílio emergencial e exemplifica como não podemos tratar a corrupção como um delito men
Profunda é a tristeza com a recente notícia sobre possíveis 160mil fraudes no auxílio emergencial, além dos prováveis sobrepreços na aquisição de respiradores, em diversos locais do país.
Nem mesmo a dura realidade imposta pela pandemia do Covid-19 é suficiente para tirar o ímpeto dos oportunistas, cafajestes e indivíduos sem caráter, colocando interesses próprios com vantagens indevidas à frente dos da coletividade.
Como lição, depreende-se inexistir trégua para esse tipo de ser humano continuar impondo saques ao erário, prejudicando de maneira brutal toda a sociedade.
Nesse contexto, lembrei-me de um episódio ocorrido em meados de 2016, quando fui convidado a participar de um debate sobre a Lava Jato. O local designado era a sala VIP de uma empresa, onde o Compliance Officer era meu amigo. Como de costume, cheguei mais cedo, escolhi um local bem confortável, numa mesa redonda, com umas 15 cadeiras de encosto alto. Aos poucos, os participantes foram chegando, sendo uma boa parte desconhecida para mim.
Após a apresentação de cada um, percebi ser o único engenheiro da reunião. Os demais eram advogados, criminalistas na maioria. Então, ficar de boca calada seria uma excelente oportunidade para aprender. Aliás, eu estava prestes a acompanhar uma discussão das mais relevantes na época, sob o ponto de vista jurídico e legal, bem diferente do meu dia a dia, acerca do Compliance.
Não demorou para despontar o líder da conferência. Por acaso, bem na minha diagonal, discursava um senhor distinto, com o poder da oratória exacerbado. Ele parecia ser um chefe à moda antiga, pois ao pronunciar uma frase, recebia de imediato a concordância dos outros, se não genuína, pelo menos explicitada pelo aceno das cabeças. Alguns, inclusive, pareciam venerar a sua eloquência com argumentos claros e diretos.
Por algum momento, fui envolvido pelas suas palavras bem colocadas. Anotei as frases de efeito, as justificativas interessantes e uma série de fundamentos novos ao meu conhecimento. No início, eu me sentia como um aluno recém-chegado a uma classe mais adiantada.
Porém, gradativamente, a exposição passou a perder o sentido. A retórica deixava de me inspirar e as colocações enfáticas ganharam discordância em relação ao meu modo de pensar. No auge de um dos temas, interrompi:
“desculpe-me senhor, mas eu estou confuso. Talvez, por ser engenheiro, perdi a linha do raciocínio. Ouvi com atenção o seu o argumento sobre a Lava Jato configurar-se num verdadeiro absurdo e, até esse momento, eu estava convencido da sua retidão. Dessa maneira, o senhor pode me explicar onde há tal incongruência?”
Tomado de grande soberba, o ilustre cidadão fez questão de colocar-se num pedestal ainda mais alto e posar-se de mestre! Escondendo-se atrás de uma falsa modéstia, respondeu:
“desculpe-me! Pensei estar apenas cercado por advogados. Farei o possível para lhe colocar na mesma página. Refiro-me a uma decisão recente vinda de Curitiba, onde um réu acusado de corrupção foi sentenciado em primeira instância a 17 anos. Na mesma semana, outro juiz sentenciou um possível assassino a 14 anos. E aí, percebeu a incoerência?”
Com um sorriso sarcástico, parecia ter dado uma lição de vida para um pobre aprendiz: eu.
Talvez pensar em silêncio estaria mais alinhado com o meu propósito de aprender e não debater ideias. Todavia, por impulso, fiz a tréplica que, sem nenhuma surpresa, mudou de forma irremediável o curso da discussão:
“ah... obrigado. Agora entendi sim o seu raciocínio! Aplicar 17 anos é de fato muito desproporcional...”
Com ar de satisfação, o senhor acenou positivamente como se tivesse ganhado o troféu de bom professor, dando me forças para continuar:
“... o juiz de Curitiba errou: 17 anos para um corrupto configura-se numa verdadeira afronta! A sentença deveria ser 170 anos!”
Com o olhar surpreso de todos, argumentei com gravidade, sem dar espaço para interrupções:
“eu não entendo de leis, dos processos penais, nem de como o Poder Judiciário deve funcionar. No entanto, entendo de lógica e, nesse campo, posso discutir com qualquer um nessa sala. Tratar a corrupção como um delito menor só faz sentido para ignorantes. Por certo, se alguém dessa reunião tivesse perdido o pai ou o filho na fila do INSS, por falta de atendimento, motivada pela corrupção desmedida que acomete a saúde brasileira, teria uma opinião mais parecida com a minha. Isso sem contar as péssimas condições dos hospitais, falta de material médico ou qualidade no tratamento fazendo mais vítimas ainda”.
Desconsiderei a possibilidade de desperdiçar a chance de aprender coisas novas e, talvez, fazer inimigos naquela discussão. Enchi-me de ânimo e reforcei minha posição:
“mas, ainda há o exemplo na Educação. Dos 6 aos 18 anos, a maioria dos jovens na Escola Pública tem perdido a chance de passar por um ensino decente. São milhões de adolescentes que jamais terão essa oportunidade de novo. Estarão condenados ao analfabetismo funcional para o resto da vida. Em grande parte, fruto da corrupção.
Assim, o corrupto, até então impune, contribui para o assassinato de milhões de brasileiros. Não de um indivíduo, mas, de uma sociedade inteira!
Portanto, eu desconheço onde está o erro. Se é na lei, se é no processo judicial, no Código Penal... apenas estou seguro de não haver lógica em tratar a corrupção como um mal menor, algo a ocorrer distante de nós ou de efeito insignificante para as pessoas”.
Aquela reunião pacata, de um protagonista só, transformou-se numa grande balbúrdia. Convidados falando ao mesmo tempo, ânimos exaltados, argumentos ao vento. Alguns concordaram comigo. Outros, nem tanto.
A minha motivação estava longe de buscar adeptos. Pelo contrário: procurei externar um sentimento indispensável para formadores de opinião, com os olhos fechados para uma realidade perversa. Por óbvio, o leitor inteligente perceberá não serem os 17 ou os 170 anos o tema central do raciocínio, mas sim, a indiferença com algo tão grave: a corrupção, a fraude, o roubo na administração pública.
Sim! O Brasil tem jeito. Entretanto, depende de corajosos, com pensamentos e atitudes arrojadas. As pessoas de bem precisam criar ânimo, arregaçar as mangas e fazer sua parte. A luta contra corrupção é complexa e terá de vencer muitas batalhas. Haverá diversos capítulos e pessoas de caráter duvidoso irão inserir os mais diversos obstáculos, para esse esforço se esvair. Basta lermos os jornais e entenderemos com clareza essa triste constatação.
Mas, a persistência deverá continuar! Sem retrocesso! Mais cedo ou mais tarde, teremos um país melhor, mais justo e com menos corrupção! Para isso, precisamos de penas duras para os corruptos. Chega de impunidade! Chega de falácias proferidas, achando que somos idiotas!